MATERIA DE CAPA

A vida depois da TV

Eles passaram por programas de televisão que prometeram mudar suas vidas. Mas será que mudaram mesmo?
Aline Nunes, Jornal da Tarde

Eles foram escolhidos por produções de TV e toparam mudar radicalmente o estilo de vida. Em rede nacional, deixaram o cachorro mal educado sem bife, colocaram o filho mimado sobre um tapete chamado ‘círculo da disciplina’ e esconderam o cartão de crédito para a família não estourar o orçamento. Mulheres jogaram vestidos na lixeira dispostas a serem mais elegantes e outras tiveram aulas de relacionamento com namorados com a promessa de que iriam desencalhar.

Os programas que oferecem mudanças físicas e comportamentais para a família tomaram praticamente todas as emissoras de TV. Seguem um roteiro que começa com o problema, em geral traumático, apresenta a sugestão, em geral salvadora, e termina com a glória da transformação. A reportagem do JT foi atrás de gente que passou por esses programas para saber como elas estão hoje, depois de suas mutações.

Rosália de Abreu sabe o quanto é difícil a prática dos ensinamentos do programa Super Nanny, do SBT. Ela submeteu seu filho Vinícius, de 3 anos, aos mandamentos da rigorosa babá em maio deste ano. Vinícius era o clássico ‘impossível’. Mandava nos dois irmãos mais velhos, desrespeitava, brigava com os primos nas festas de família. Até que Super Nanny chegou com suas regras. Contra o comportamento agressivo, a babá criou um cantinho do castigo, um tapete redondo no qual o garoto é colocado sempre que apronta. Três meses depois, Vinícius segue com as brigas por brinquedos com os irmãos, mas Rosália garante que, fora isso, o filho está melhor. “O programa me ajudou. Ele continua aprontando, mas eu sempre o coloco no cantinho e ele sabe porque está no castigo.”

A cabelereira Jamile Zeidan, 28 anos, passou boa parte de sua vida escutando que era estravagante demais em sua maneira de se vestir, sempre com roupas indiscretas por demais. Ao participar da versão brasileira do programa Esquadrão da Moda, do SBT, aquele que promete ‘transformar’ o gosto alheio pelo vestuário, ela ganhou trajes de marcas famosas, tingiu os cabelos de ruivo e se sentiu nas nuvens. Mas o coração doeu ao ver suas peças estampadas e coloridas serem jogadas no lixo pelos apresentadores Isabella Fiorentino e Arlindo Grund. “Puxa, muita coisa que estava lá eu poderia usar de forma menos exagerada, mas eles jogaram tudo fora. Eu continuo comprando com o gosto que tinha antes.” Jamile voltou também a usar o cabelo loiro, que havia sido tingido por ruivo. “Não gostei.”

A família Amorim, em janeiro, aceitou o convite para participar da série Manda Quem Pode, Obedece Quem Tem Juízo, do Fantástico, para dar um jeito nos gastos, sobretudo do cartão de crédito. Primeira regra: deixar o cartão guardado. No ar, tudo terminou bem, com todos mais conscientes. Seis meses depois, a tentação bateu. “Não tem como não usar o cartão, sempre bate aquela vontade de comprar com o pagamento a prazo”, diz Wellinghton Amorim, pai da família Amorim. Seus integrantes não escondem que andam desfrutando de alguns luxos. Depois de ficarem semifamosos no programa, eles gravaram um comercial para a Caixa Econômica Federal. E foi assim que os Amorim romperam com as regras de economia aprendidas no programa. Com o cachê que receberam, que não revelam, fizeram todos uma viagem para Minas Gerais para gastar e aproveitar a vida. Mas Amorim pai garante: rala para fechar o mês no azul.

Os Meneghini, uma outra família paulista que em maio aceitou o desafio do Mudança Geral, quadro do Fantástico que vai além da parte econônica e promete mudar desde o que se come no café da manhã até a forma como se educa os filhos adolescentes, falam rapidamente ao JT, já que dizem estar ‘proibidos’ de dar entrevistas até o final do ano pela emissora que os contratou. O programa terminou com o casal Andrea e Reginaldo Meneghini controlando bem o gasto de água no chuveiro e o nível de colesterol. Eles também perderam três quilos até o final da série. Hoje, Andrea dá indícios de que a ansiedade ainda é um problema. “A gente não pode dar entrevista mas, olha, a fome ainda é o mal da família.”

O churrasco de final de semana não derruba a força de vontade de Marisa Felix Cheleider, de 31 anos, ex-participante do Verdadeira Idade. O quadro do programa Tudo é Possível, da Record, pega pessoas para lá de acabadas e as transforma em jovens cheios de vida e beleza. Ou quase isso. Na atração, Marisa fez tratamento dentário, se livrou de um depressão de três anos, pintou os cabelos e foi obrigada a entrar em uma dieta. “Tinha problema com dentes, pele, peso e isso me deixava muito triste. Achavam que eu era mãe do meu marido. Me davam 48, 49 anos e eu tenho só 31.” Dos 15 quilos que deveria perder, no entanto, só se livrou de 9.

Os cães, ao contrário das pessoas, parecem se dar bem com mudanças no quadro Dr. Pet, que a Record exibe no Domingo Espetacular. Alexandre Rossi, o próprio Dr. Pet, vai às casas para consertar cães insuportáveis e, mesmo assim, amados pelos seus donos. A experiência de Janaína Grossman foi positiva. Ela conta que conseguiu reeducar Zábio, um cão da raça Golden Retriever, de 1 anos e 6 meses. Seguindo os conselhos de Dr.Pet, o cachorro ficou mais educado e passou a fazer xixi em casa - já que antes só fazia nas calçadas da rua.

Há casos ainda em que o problema é tão sério que até durante os programas o fracasso vem à tona. A paulista Katia Santana de Freitas buscou ajuda do Liga das Mulheres, no Fantástico, para conseguir um namorado. O dominical dedicou três domingos à moça, com conselhos para laçar um namorado. Não deu certo. Kátia ainda é muito, digamos, geniosa. Ao se deparar com algum pretendente, solta alguma pérola do tipo: “Você adora ir no cinema, não é mesmo?”. Kátia ficou sozinha. “Não é possível que nesse mundo imenso não haja alguém que complete, mesmo que temporariamente, cada um de nós”, escreveu no blog do programa.